CONJUNTO URBANÍSTICO DE BRASÍLIA: PRESERVAÇÃO À LA CARTE
Resumen
Brasília, capital do Brasil, torna-se sexagenária. Com apenas 60 anos de vida (2020) e seus quase três milhões de habitantes (2,97 milhões), já é a 3ª cidade brasileira em população (IBGE/2018), superando Salvador (2,86 milhões), a primeira capital do país (1549-1763). Acrescida da população do seu entorno atinge 4,3 milhões de pessoas, contingente ainda abaixo do Rio de Janeiro, também ex-capital (1763-1960), que com seus 6,6 milhões, é a 2ª cidade brasileira mais populosa. Por que citar esses números quando se discute a preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília? Primeiro, por uma questão muito simples, sem considerar a dimensão metropolitana da capital brasileira, a preservação do seu conjunto histórico-cultural torna-se uma atividade estéril, fetichista e diletante. Depois é preciso reconhecer a simbiose sociourbana entre o núcleo matricial e o seu entorno, ou seja, o primeiro não existiria sem o segundo e vice-versa. Brasília, primeiro centro urbano moderno reconhecido pela Unesco como patrimônio mundial (1987), traz novas questões e desafios à preservação de centros históricos. Tanto pela temporalidade, dinamismo, espacialidade e incompletude de sua estrutura, que confrontam a própria ideia de sítio histórico, como, também, pelo uso do tombamento como mecanismo irrestrito de proteção da área urbana, o que causa visíveis dificuldades à ação preservacionista. A primeira surge da discutível premissa que define o conjunto urbano descrito no Relatório do Plano Piloto de 1957 como o objeto a ser preservado. Premissa que gera confusão e equívocos, pois não só a cidade real difere do desenho apresentado, como o modelo urbano ali descrito, originário dos preceitos dos CIAM´s, exibe problemas de desempenho em diversos setores, que precisam ser enfrentados. Outra questão, fruto da primeira, decorre da leitura mítica e idealizada da cidade como obra monolítica, uníssona e completa. Tese que predomina em alguns atores sociais, que tentam fazer das ações protecionistas uma busca desmedida pela manutenção da proposta urbana contida no Relatório. Postura de difícil sustentação, pois, desde o concurso de 1957, o desenho inicial se alterou, por conta dos inerentes ajustes no desenvolvimento e implantação do projeto, ainda que mantidas a essência, a simbologia e a conformação urbana aspiradas. A terceira diz respeito ao modelo de gestão urbana da cidade, não só por sua condição de unidade federativa híbrida, que acumula a função de Estado e de Município, mas sobretudo por repetir o abismo entre o discurso e a prática do planejamento urbano em nosso país. Como nos disse Flávio Vilaça (2005) os instrumentos de planejamento e gestão urbana, à semelhança de um cardápio gastronômico, existem e estão à disposição do poder público, cabe aos gestores escolherem quais serão transformados em "comida". É sobre essas questões que o presente artigo se debruça. A perspectiva é contribuir na reflexão sobre o processo de preservação e gestão do Conjunto Urbanístico de Brasília, quando este completa 60 anos de vida e apresenta um variado e ignorado menu urbanístico para enfrentar seus desafios.