Estrutura independente e parede portante: origem e evolução da proposição de Lucio Costa

Publicado
2017-10-11

Resumo

A assimilação do esqueleto estrutural em concreto armado ou aço é um dos problemas que os arquitetos enfrentam no ultimo terço do século XIX. Modo de construção característico da idade da máquina, viabilizando tanto separar apoio de vedação quanto levantar arranha-céus, o esqueleto independente com seus suportes pontuais torna antiquados os sistemas construtivos contínuos e maciços de paredes portantes. Aliado a paredes de vidro e tabiques leves, alimenta visões de uma arquitetura de colunas remetendo ao Partenon, tanto quanto preferia Quatremère de Quincy, como à “cabana primitiva” do abade Marc-Antoine Laugier, inspirada numa arquitetura de pura estrutura à emulação da arquitetura gótica, como queria Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc. A assimilação desse esqueleto implica disputas acirradas entre defensores de uma “nova tradição” e “novos pioneiros” mais jovens, dentre quais estava Le Corbusier, que proclamava que “as grandes épocas de arquitetura dependem de um sistema puro de estrutura”, e promovia em sua obra uma estrutura independente específica, do tipo proposto nas casas Domino de 1915, sem vigas aparentes que comprometessem a livre disposição das paredes internas e externas.

Para Lucio Costa, a entrada em cena da ossatura independente tipo Dom-ino, é vista como a estrutura característica e preferencial da nova arquitetura. Tal atribuição leva o esquema de placas paralelas estratificadas sobre grelha de suportes à condição de estatuto paradigmático em Razões da nova arquitetura (1936) e da definição da arquitetura moderna como arquitetura inclusiva em Universidade do Brasil (1937) que leva à noção da arquitetura moderna como sistema triarticulado em termos de tipologias estruturais e programáticas, implicando um sistema de viés hierárquico, mas que inclui estruturas especiais referenciadas à arquitetura gótica e estruturas de apoio contínuo de referencial clássico para alternativas híbridas com a estrutura preferencial. Tal assimilação equaciona longa crise disciplinar gestada no século XIX, identificada por Costa entre “duas concepções opostas em que sempre se baseiam todas as manifestações” e que se só se encerra definitivamente com a hegemonia da arquitetura moderna por toda a parte no pós-guerra, transformação revolucionária antecipada pela vanguarda européia nos anos 1920 e pela vanguarda carioca nos anos 1930.

Este artigo discute as fontes da proposição inclusiva de Costa que estiveram no centro dos debates ao longo do século XIX e que fundamentam a arquitetura moderna brasileira. A investigação relaciona a evolução do apoio pontual em relação ao muro portante sob as tensões entre comportamento estrutural e as demandas formais como origem dessa crise disciplinar. Iniciadas no crescente conflito entre a dimensão artística e a técnica da disciplina arquitetônica que marca a segunda metade do século XVIII, a partir da filosofia do Iluminismo e posteriormente sob o Racionalismo Estrutural do século XIX, novos métodos são postos em confronto com as formas até então resultantes de processos exclusivamente empíricos. No centro desses debates estão as controvérsias sobre a coluna independente que levou ao surgimento da completa noção moderna de estrutura, uma noção que iria informar as primeiras experiências na construção de ferro e o subsequente desenvolvimento do pensamento estrutural emergente no século XX.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Métricas

Carregando Métricas ...

Referências

BAHIMA, Carlos Fernando Silva. De placa e grelha: transformações dominoicas em terra brasileira. Tese de Doutorado. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2015.

BERGDOLL, Barry. European Architecture 1750-1890. New York: Oxford University Press, 2000.

CHOISY, Auguste. Histoire de l’Architecture, 2 vols. Paris: Slatkine, 1991, 1899.

COMAS, Carlos Eduardo Dias. Arquitetura moderna estilo Corbu, Pavilhão brasileiro. In: AU nº 26. São Paulo: Editora Pini, 1989.

_________________________. Précisions brésiliennes sur un état passé de l'architecture et de l'urbanisme modernes d'après les projets de Lucio Costa, Oscar Niemeyer, MMM Roberto, Affonso Reidy, Jorge Moreira et cie., 1936-45. Tese de Doutoramento. Paris: Université de Paris VIII, 2002. Tradução Precisões Arquitetura Moderna Brasileira 1936-45. Porto Alegre: PROPAR, 2002.

______________________. The Poetics of Development: Notes on Two Brazilian Schools. In: Bergdoll, Barry; Comas, Carlos Eduardo; Liernur, Jorge Francisco. Real, Patricio del. Latin America in construction: architecture 1955 – 1980, 40-66. New York: The Museum of Modern Art, 2015.

CORBUSIER, Le. Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 2004, original Vers une Architecture. Paris: G. Crès, 1923.

______________. Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. São Paulo: Cosac &Naify, 2004, original Précisions sur unétat présent de l'architecture et de l'urbanisme. Paris: G. Crès, 1930.

COSTA, Lucio. Lúcio Costa: sôbre arquitetura. Pôrto Alegre: Imprensa Universitária, 1962.

___________. Lucio Costa: Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.

ETLIN, Richard. Frank Lloyd Wright and Le Corbusier: The Romantic Legacy. Manchester: Manchester University Press, 1978.

GROMORT, Geoges. Essai sur la théorie de l’architecture. Paris: Éditions CH. Massin, 1942.

GUADET, Julien. Eléments et Théorie de l’Architecture, 4 vols. Paris: Librairie de la Construction Moderne, 1904.

HEARN, M.F. (Org.). The Architectural Theory of Viollet-le-Duc: Readings and Commentary. Cambridge: MIT Press, 1990.

HERRMANN, Wolfgang. Laugier and eighteenth century French Theory. London: Zwemmer, 1962.

HITCHCOCK, Henry-Russell. Modern Architecture: romanticism and reintegration. New York: Da Capo, 1993.

LUCAN, Jacques. Composition, Non-Composition. Architecture and Theory in the Nineteenth and Twentieth Centuries. Lausanne: EPFL Press, 2012.

MARTÍ ARÍS, Carlos. Las variaciones de la identidad: ensayo sobre el tipo en arquitectura. Barcelona: Ediciones del Serbal, 1993.

MIDDLETON, Robin; WATKIN, David. Architecture of the Nineteenth Century (History of World Architecture). Milano: Electra Architecture, 2003.

PICON, Antoine. The Freestanding Column in Eighteenth-Century Religious Architecture. In: Lorraine Daston (org.). Things that Talk: object lessons from art and science. New York: Zone Books, 2004.

_____________. Dom-ino: Archetype and Fiction. In: Cynthia Davidson (org.). Log 30 Journal Winter 2014, Observations on architecture and the contemporary city. New York: Anyone Corporation, 2014.

PUPPI, Marcelo. Por uma história não moderna da arquitetura brasileira: questões de historiografia. Campinas: Pontes Editores, 1998.

_____________, Léonce Reynaud e a concepção teórica do ecletismo no Rio de Janeiro, 19&20, Rio de Janeiro. In: http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_mpuppi_reynauld.htm (Abr 02, 2008).

QUINCY, Quatremère de. Dictionnaire Historique. Paris: Librairie d’Adrien Le Clère, 1832.

SUMMERSON, John. A linguagem clássica da arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Entretiens sur l’architecture, 2 vols. Paris, 1863, 1872.

WITTKOWER, Rudolf. Architectural Principles in the Age of Humanism. New York: Norton & Company, 1971.

Como Citar
BAHIMA, C. F. S. Estrutura independente e parede portante: origem e evolução da proposição de Lucio Costa. Revista Thésis, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 2017. DOI: 10.51924/revthesis.2017.v2.75. Disponível em: https://thesis.emnuvens.com.br/revista-thesis/article/view/75. Acesso em: 9 nov. 2024.